A insegurança alimentar e nutricional no âmbito dos determinantes sociais da saúde.
- Carolina Belomo de Souza
- 7 de set. de 2024
- 5 min de leitura
A alimentação é um dos direitos sociais previstos na Constituição Federal brasileira de 1988. A Insegurança Alimentar e Nutricional (InSAN) refere-se à falta de acesso regular e seguro aos alimentos necessários para uma vida saudável e ativa. No contexto dos Determinantes Sociais da Saúde (DSS), isso significa que a acessibilidade aos alimentos é influenciada por fatores sociais, econômicos e políticos, dentre outros. Compreender como os DSS impactam a InSAN é fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, auxiliando na definição de prioridades e na alocação de recursos, facilitando o desenvolvimento de intervenções multissetoriais coordenadas e integradas, prevenindo os problemas de saúde e promovendo o bem-estar da população. Dado do exposto, o objetivo principal desta discussão é de apresentar o conceito de DSS, de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e InSAN, bem como discutir a forma como os DSS impactam a InSAN.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera os DSS como as condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham. Sabe-se os DSS impactam a situação de saúde da população, pois provocam as iniquidades em saúde podendo ser observados sob diferentes aspectos, como: 1) físico-materiais, uma vez que as diferenças de renda influenciam a saúde pela escassez de recursos e pela ausência de investimentos em infraestrutura (educação, transporte, saneamento, habitação, serviços de saúde, etc.), resultantes de processos econômicos e de decisões políticas; 2) fatores psicossociais (considerando que as percepções e as experiências de pessoas em sociedades desiguais provocam estresse e prejuízos à saúde); 3) fatores “ecossociais” ou “multiníveis” que buscam integrar as abordagens individuais e grupais, sociais e biológicas numa perspectiva dinâmica, histórica e ecológica. (BUSS et al., 2007). Ao considerar os DSS é necessário compreender que sua relação com a saúde não é uma simples relação de causa e efeito, por exemplo, uma sociedade com maior Produto Interno Bruto (PIB) não terá, obrigatoriamente, melhores indicadores de saúde, da mesma forma que poderá haver diferenças entre o nível de saúde entre diferentes grupos da sociedade, explicados pelas iniquidades sociais. Diferentes modelos buscam trazer o esquema das relações entre os diversos fatores. O modelo de DSS elaborado por Dahlgren e Whitehead é um dos mais conhecidos. Na primeira camada estão os comportamentos e estilo de vida individuais, que, apesar de serem opções particulares são dependentes dos DSS, como acesso à informação, espaços de lazer, alimentos saudáveis, entre outros. Na segunda camada estão as redes baseadas na relação entre amigos, parentes, grupos religiosos, associações de moradores, entre outros, que expressam a coesão social. Na terceira camada, estão as condições de vida e de trabalho e na última camada, mais externa, estão os macrodeterminantes que possuem grande influência sobre as demais camadas e estão relacionados às condições econômicas, sociais e ambientais em que vive a sociedade, a globalização. (BUSS et al., 2007)
A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” e está relacionada a dois princípios importantes: 1) Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), que corresponde ao direito de estar livre da fome e da má nutrição e o direito a alimentação adequada; 2) Soberania alimentar, que corresponde ao direito dos povos em definir políticas e estratégias de produção, distribuição e consumo de alimentos. (BRASIL, 2006). Assim, no Brasil, a InSAN corresponde a falta de acesso a uma alimentação adequada, condicionada, predominantemente, às questões de renda. A alimentação adequada foi estabelecida como um dever do estado no Brasil em 2010, com a publicação da emenda constitucional nº 64 que inseriu no artigo sexto da constituição a alimentação. Além de estabelecer a alimentação com um direito, a Lei orgânica de alimentação e nutrição instituída em 2006 (Lei nº11.346) também estabelece a necessidade do poder público informar, monitorar e avaliar a sua efetivação. Com isso, o monitoramento da SAN e InSAN passou a ser inserido nas pesquisas nacionais como na Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio e, mais recentemente, na Pesquisa Nacional de Orçamento Familiar (POF). A SAN e InSAN no Brasil são medidas por meio da Escala Brasileira de Segurança Alimentar e Nutricional (EBIA) que classifica a situação de InSAN em três níveis: 1) leve (quando existe a preocupação ou incerteza quanto ao acesso ao alimento no futuro, ou qualidade inadequada de alimentos); 2) Moderada (quando ocorre a redução quantitativa de alimentos entre adultos do domicílio) e 3) Grave (redução quantitativa de alimentos também entre as crianças). De acordo com os dados da última POF realizada entre 2017/2018, 63,3% dos domicílios se encontram em situação de SAN, 24% estavam em InSAN leve, 8,1% em InSAN moderada e mais de 4% em InSAN grave. (IBGE, 2020)
Entender a relação entre DSS e InSAN é fundamental e pode contribuir para combater a InSAN, pois possibilita o desenvolvimento de políticas públicas para melhorar o acesso a alimentos saudáveis, reduzir as desigualdades sociais e econômicas e nortear as ações de Educação Alimentar e Nutricional (EAN), fatores importantes para a garantia da saúde e do bem-estar da população. Essa relação demonstra como a InSAN é influenciada por uma ampla gama de determinantes sociais, destacando a complexidade e a interconexão desses fatores. Observa-se, por exemplo, que no nível socioeconômico, a InSAN está fortemente ligada à renda e ao acesso a recursos econômicos, deste modo, os grupos socioeconômicos mais vulneráveis enfrentam maiores dificuldades para acessar alimentos nutritivos. Isso pode ser observado no que se refere às condições de vida e trabalho, as pessoas em subempregos, ou com piores condições de emprego, podem ter dificuldade para ter acesso a alimentos adequados devido à falta de renda para comprá-los. As condições de moradia também podem interferir na relação com a alimentação, uma vez que moradias precárias, pode prejudicar a capacidade da família armazenar e preparar alimentos de forma segura. A falta de apoio social pode limitar o acesso a alimentos em momentos de dificuldade, uma vez que comunidades com fortes laços sociais (coesão social) podem desenvolver estratégias de solidariedade para enfrentar a InSAN. Com relação aos hábitos alimentares individuais, a capacidade de fazer escolhas saudáveis podem ser influenciadas por fatores socioeconômicos e culturais. De acordo com BUSS et al (2007), é muito difícil mudar comportamentos de risco sem mudar as normas culturais que os influenciam, sendo necessárias políticas de abrangência populacional capazes de promover mudanças de comportamento, através de programas educativos, acesso facilitado a alimentos saudáveis, criação de espaços públicos para a prática de esportes e exercícios físicos, entre outros. Por último, vale ressaltar ainda que o ambiente alimentar possui um impacto sobre a segurança alimentar, uma vez que a disponibilidade de alimentos nutritivos e acessíveis é influenciada pelo ambiente físico, incluindo a presença de mercados, feiras e serviços de alimentação.
Para concluir, a compreensão dos DSS na InSAN destaca a necessidade de ações integradas e abordagens colaborativas para enfrentar esse desafio global. Contudo, a implementação eficaz de políticas públicas enfrenta desafios significativos, como a falta de financiamento adequado, a complexidade das causas subjacentes e a resistência a mudanças estruturais. Além disso, a diversidade de contextos socioeconômicos e culturais demanda estratégias adaptadas e sensíveis às necessidades locais. Portanto, é imperativo que os formuladores de políticas, profissionais de saúde, sociedade civil trabalhem em conjunto para superar esses desafios e promover a SAN como um direito humano fundamental.
Referências Bibliográficas
Brasil. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 16 set.
BUSS, P. M.; PELLEGRINI FILHO, A.. A saúde e seus determinantes sociais. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 17, n. 1, p. 77–93, jan. 2007.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de orçamentos familiares 2017-2018: análise da segurança alimentar no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2020.
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