Avaliação integral e Orientações alimentares para crianças de 2 a 10 anos
- Carolina Belomo de Souza
- 10 de set. de 2024
- 7 min de leitura
O padrão de crescimento infantil é o melhor indicador para avaliar o estado de saúde e nutrição de crianças e é resultado da interação entre vários fatores, entre eles os genéticos e os ambientais. A fase entre 2 e 10 anos é marcada pela desaceleração da velocidade de crescimento e por descobertas e transformações nas práticas alimentares, sendo comum a criança desviar sua atenção para outras atividades, estando sujeita a seletividade alimentar, redução do apetite ou ainda ao elevado consumo de alimentos ultraprocessados o que colocar em risco o seu pleno desenvolvimento. O comportamento alimentar é estabelecido na infância e desempenha um papel fundamental na saúde a longo prazo. O crescimento e desenvolvimento infantil precisa ser acompanhado de forma sistemática uma vez que permite o monitoramento das condições de saúde e nutrição da criança. Um instrumento que permite o acompanhamento integral é a caderneta da criança. Assim, a avaliação integral e as orientações alimentares adequadas e saudáveis para crianças e seus familiares são estratégias fundamentais para garantir o desenvolvimento saudável. Dado o exposto, o objetivo desta discussão é apresentar alguns aspectos do desenvolvimento infantil e características das crianças na fase pré-escolar, escolar; a caderneta da criança como um instrumento para auxiliar a vigilância alimentar e monitorar o desenvolvimento infantil; Avaliação do estado nutricional por meio de índices, indicadores e curva de crescimento infantil bem como as orientações alimentares para crianças de 2 a 10 anos.
O conceito de desenvolvimento integral é amplo e refere-se a uma transformação complexa e contínua, incluindo além do crescimento, a maturação, a aprendizagem e os aspectos psíquicos e sociais (BRASIL, 2018). Nesse sentido, o desenvolvimento humano envolve o desenvolvimento físico (crescimento), cognitivo (intelectual), neuropsicomotor e emocional (afetivo e interações com ambiente). O crescimento é o resultado da integração de fatores genéticos, biológicos, psíquicos e sociais, com as características biológicas (Intrínsecas) e ambientais(extrínsecas), sendo considerado como um dos melhores indicadores de saúde da criança, e a evolução do crescimento expressa as condições de vida da criança no passado e no presente. (Brasil, 2018). Entre 2 e 6 anos de idade, as crianças estão na fase pré-escolar, caracterizada pela transição entre lactente para uma certa independência. Nesta fase acontece uma desaceleração na velocidade de crescimento e no ganho de peso, redução de apetite e ingestão alimentar, podendo ser observado teste de limites, vontade própria e negação. Já entre os 7 e 10 anos de idade, as crianças estão na fase escolar, observa-se a transição entre a infância e a adolescência, o crescimento constante e instável, maior ganho de peso próximo a adolescência com variabilidade no comportamento alimentar, devido a picos de crescimento, sendo possível observar o aumento do percentual de gordura em preparação para o estirão de crescimento.
A caderneta da criança é uma ferramenta estratégica para a atenção integral preconizada pela Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Pnaisc, instituída em 2015 pela portaria º 1.130). Trata-se de um instrumento para o registro e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento (CD) e de orientações para a atenção integral à criança. Na caderneta encontram-se orientações sobre os direitos da criança e dos pais, vacinação, prevenção de agravos, cuidados com a saúde bucal, educação e assistência social. A caderneta disponibiliza importantes informações que permitem a vigilância do estado nutricional (orientação alimentares e gráficos de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento) e permite acompanhar o desenvolvimento global da criança (por meio do acompanhamento dos marcos de desenvolvimento infantil), além de fornecer informações aos pais e cuidadores sobre como estimular o desenvolvimento infantil, fornecer segurança e amor.
Conforme as recomendações recentes do Ministério da Saúde (MS) (Brasil, 2022), para a avaliação integral da criança, é fundamental considerar as informações contidas na Caderneta da Criança sobre o estado nutricional, comportamento alimentar, exames físicos e laboratoriais, dentre outros. Observar as condições de vida, como a vulnerabilidade social e renda da família, o ambiente escolar, rede de cuidado, idade, hábitos de sono e práticas de atividade física (Brasil, 2022). Assim, a avaliação integral e as orientações alimentares adequadas e saudáveis para crianças e seus familiares são estratégias fundamentais para garantir o desenvolvimento saudável. No acompanhamento da criança, embora as orientações sejam fornecidas aos responsáveis, é importante buscar incluir a criança na consulta e estimular que ela participe ativamente, por exemplo, procurando estar na mesma altura da criança, olhando em seus olhos e utilizando linguagem simples.
Estado nutricional é o resultado do equilíbrio entre o consumo de nutrientes e o gasto energético do organismo para suprir as necessidades nutricionais e pode ter três tipos de manifestação: 1)Adequação Nutricional ou Eutrofia (equilíbrio entre o consumo e as necessidades nutricionais); 2) Carência Nutricional (deficiências gerais ou específicas de energia e nutrientes) e 3) Distúrbio Nutricional (problemas relacionados ao consumo inadequado de alimentos, tanto por escassez quanto por excesso, resultando em desnutrição ou obesidade por exemplo). Os indicadores antropométricos são considerados pelo MS como o melhor método a ser usado na avaliação do estado nutricional em serviços de saúde devido, entre outros, ao baixo custo, a simplicidade de realização, sua facilidade de aplicação e padronização, amplitude dos aspectos analisados, além de não ser invasiva. (Brasil, 2011).
No que diz respeito a avaliação do estado nutricional da criança entre 2 e 10 anos, deve-se coletar as medidas antropométricas de peso e altura para calcular o Indice de Massa Corporal (IMC), bem como o sexo e a data de nascimento da criança a fim de calcular a idade em anos completos e meses. Para avaliação dos índices antropométricos, é necessário saber com precisão a idade da criança em dias ou meses de vida, assim, a fração de idade até 15 dias deve ser aproximada para baixo (último mês completado), já a fração de idade igual ou superior a 16 dias deve ser aproximada para cima (próximo mês a ser completado), por exemplo, uma criança de 4 anos, 6 meses e 13 dias deve ser considerada com 4 anos e 6 meses). A partir desses dados, é possível calcular os índices antropométricos. A combinação entre duas medidas antropométricas fornece os índices antropométrico, que possuem diferentes interpretações, são eles: 1) Peso para Idade (P/I) expressa a situação global da criança, mas não diferencia o comprometimento nutricional atual ou agudo dos pregressos ou crônicos; 2) Peso para estatura (P/E) fornece informações tanto de déficit quanto de excesso de peso em relação à estatura; 3) Estatura para idade (E/I) considerado o índice que melhor indica o efeito cumulativo de situações adversas sobre o crescimento da criança, podendo indicar desnutrição passada ou em curso e 4) IMC/I identifica o excesso de peso e tem a vantagem de ser um índice que será utilizado em outras fases do curso da vida. Contudo, entre 5 e 10 anos de idade o MS recomenda utilizar apenas os índices de P/I, IMC/I e E/I. (Brasil, 2011)
O termo “indicador antropométrico” corresponde a classificação que é atribuída a um indivíduo ou população a partir da aplicação de um ponto de corte a um índice. Para o diagnóstico antropométrico, é necessária a comparação dos valores encontrados com valores de referência. O MS adotou as novas curvas de crescimento da criança elaboradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que são apresentadas na caderneta da criança. As curvas utilizam escore Z (desvio padrão) sendo considerado o critério antropométrico mais adequado para verificar o estado nutricional por possuir qualidades superiores aos outros critérios. Escore-z é termo estatístico e quantifica a distância do valor observado em relação à mediana dessa medida ou ao valor que é considerado normal na população. Assim, a cada consulta, deve-se marcar nos gráficos de crescimento da Caderneta da Criança o ponto de interseção entre o P/I, E/I, e entre o IMC/I da criança. Para a garantia do desenvolvimento adequado, a curva deve apresentar uma inclinação acedente.
A avaliação do consumo alimentar é importante para identificar fatores que podem levar a riscos nutricionais e faz parte das ações de vigilância nutricional. Recomendações recentes do MS (Brasil, 2022) cobriram uma lacuna com relação à orientação alimentar para crianças entre 2 e 10 anos de idade e foram baseadas nas recomendações do Guia alimentar para população brasileira (Brasil, 2014), são elas: 1) o incentivo ao consumo diário de feijão e outras leguminosas, em especial combinado com arroz (rico em fibras, proteínas, vitaminas e minerais); 2) evitar o consumo de bebidas adoçadas (devido a presença de açúcar, aromatizantes, corantes e outros aditivos cosméticos) e de alimentos ultraprocessados (pode aumentar o risco de obesidade infantil, cáries e desenvolvimento de doenças crônicas como hipertensão, dislipidemias, diabetes e câncer na adolescência e fase adulta); 3) consumir diariamente legumes, verduras e frutas, dando autonomia a escolha e consumo de frutas, facilitando o aceso pela criança; 4) comer em ambientes apropriados e com atenção, devagar, mastigando bem os alimentos e evitando o uso de aparelhos eletrônicos à mesa.
Além disso, é importante estar atendo às estratégias utilizadas pela família para que a criança consuma alimentos saudáveis reforçando a importância de não haver insistência, ameaças, castigos, comentários pejorativos ou recompensas por farte da família, pois essas ações aumentam a recusa alimentar. Estimular o hábito da família cozinhar com a criança, incluí-la na escolha da receita, na compra e preparo dos alimentos e nas refeições, é importante. Os limites de saciedade da criança precisam ser respeitados para que ela adquira uma relação saudável com a comida, e a família precisa ser orientada a oferecer o mesmo alimento diversas vezes, em preparações diferentes, nas próximas refeições, respeitando sempre a aceitação da criança. Sabe-se que as práticas alimentares dos familiares têm grande influência na alimentação das crianças, por isso é importante que a família acompanhe e compartilhe os bons hábitos com a criança. Além disso, a criança precisa ser estimulada a prática de atividade física diária.
Para concluir, a avaliação integral da criança compreende a avaliação do estado nutricional, incluindo o consumo alimentar e a avaliação antropométrica, bem como o acompanhamento dos marcos de desenvolvimento infantil. Sabe-se que o cuidado da criança deve envolver a parceria entre pais e cuidadores, profissionais de saúde, da educação e da assistência social para promover sua saúde e seu desenvolvimento integral. Contudo, a escassez de recursos, a rotatividade e a falta de capacitação adequada dos profissionais, a falta da caderneta da criança ou o seu preenchimento, as disparidades socioeconômicas e o acesso a alimentos saudáveis representam algumas das barreiras a serem superadas para o acompanhamento nutricional adequado das crianças no SUS. A avaliação completa e as orientações alimentares direcionadas para crianças de 2 a 10 anos são essenciais para garantir seu crescimento adequado, podendo contribuir para identificar fatores de risco, promover hábitos e estilo de vida saudáveis, promovendo o bem-estar e o pleno desenvolvimento infantil.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação. Brasília: Ministério da Saúde, 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Orientações para a coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional – SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Fascículo 4: protocolo de uso do Guia alimentar para população brasileira na orientação alimentar de crianças entre 2 e 10 anos. Brasília: Universidade Estadual de São Paulo/MS, 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília: MS, 2014.
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